segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O mexicano e o terror


Esse post é, claro, especialmente escrito para meu amigo Aparecido Rossi, Doutor em Literatura pela Unesp. Crítico incansável de quase tudo e uma pessoa que, apesar de eu amar, eu odeio bastante às vezes.
Ele me perguntou como o Stephen king pode escrever sobre terror em um mesmo texto em que usa elementos de novela mexicana: perda de pessoas queridas, amores perdidos e coisinhas do tipo. Ok, vamos explicar.
Uma das coisas que sempre me cativou no Stephen king é justamente seu modo mexicano de ser. Em NENHUMA obra americana é tão simples conhecer uma típica família daquele país, como nos textos de King. Aqui eu faço um parênteses para dizer que o Mario Puzzo faz o mesmo com as famílias Italo-americanas, mas nos livros de Puzzo não temos monstros.
E bien (como diria meu amigo Poirot)...
O Estranho, de Freud fala “sobre o que deveria ter permanecido secreto e oculto mas veio  à luz”, ou como eu gosto de dizer, o que nos é familiar, e de repente, fode tudo.
O que é mais assustador que o monstro debaixo da cama? Tipo, você está lá, no seu quarto, com os brinquedos que mais gosta, nos lençoizinhos que sua mamãe lavou e tem um cheirinho FAMILIAR, com seu pijama de dinossauro, e seu travesseiro fofo e eis que, do nada, SURGE O MEDO. Porra, como é que você pode ter medo em um lugar desses, onde tudo é seu, tudo é comum, no lugar em que você passa seu dia todo, estudando, jogando, etc...?
Quem aqui já teve uma fase de medo, sabe que o quarto pode ser o melhor refugio e o pior lugar para se estar...AO MESMO TEMPO!!
Todo esse blablabla é para dizer que, o medo real surge no momento em que você menos espera, do lugar que deveria ser seu lugar ideal. Um pai abusivo, um professor aterrorizante, um cachorro que deveria ser deu melhor amigo e de repente começa rosnar para você. Isso ASSUSTA pra caralho.
É o que King faz. O drama mexicano por traz dos livros de King são o embalo que nos leva a dormir, para que ele possa praticar o ato de nos impor um pesadelo horrível. Em Needfull Things, nós temos duas mães que se detestam, fazem fofoca uma da outra e são bem invejosas...tipo, TODAS as mães do mundo. Mas um dia elas se estranham por um motivo qualquer e ENFIAM A FACA uma na outra. Tipo, as duas se pegam na rua, na frente de um monte de gente e SE MATAM. Isso é um choque no leitor, não por que as mulheres se mataram, mas por que elas deixaram os filhos para trás (por causa de uma foto ou um óculos do Elis Presley, não lembro bem)...enfim...os dramas mexicanos são tão parte da nossa vida que nós acabamos não dando o devido valor à eles.
Se eu for me perguntar por que eu gosto dos textos do King, acho que a resposta está justamente ai, no drama mexicano. Tipo, o Dean Koontz, um escritor de terror de merda, escreveu um livro sobre uma casa automatizada que quer ter um filho com a proprietária. Eu nem li o livro todo, mas a casa ESTUPRA a moça...porra, velho, uma casa (que nem é mal assombrada) estupra uma mulher! Onde está o medo nisso?
Por outro lado, em A Coisa, nós temos a Bev, uma ruivinha bonita de 10 anos que é espancada pelo pai. Em nenhuma parte do livro SK deixa claro que o pai quer abusar da filha, mas o leitor consegue entender duas coisas: que os espancamentos são um tipo de alivio sexual do pai, e que A MÃE SABE DISSO e deixa os dois sozinhos em casa. Isso é drama mexicano. E isso é terror. Ainda em A Coisa (um livro muito, muito bom) nós podemos ver um monstro de verdade, que come crianças e tudo, mas me perguntem se alguma vez eu me assustei com o monstro? Não! Eu sabia que o monstro ia atrás das crianças, mas não sabia que iam bater em um moleque por que ele era negro, ou que um dos meninos ia matar o irmãozinho sufocado por ciúmes. Eu nunca tive medo que o monstro pegasse alguém do clube dos perdedores (os meninos heróis do livro), mas tive medo que os meninos malvados e maiores fizessem isso.
Enfim, quando alguma coisa é escondida, oculta da vista, sonegada aos outros (de novo de O Estranho) e vem a luz...bem, ai sim podemos dizer que isso é terror, que isso nos assusta, que isso mexeu com a gente.
É o mesmo caso dos serial killers. Sabe por que somos tão fascinados por eles? Sim, as histórias são grotescas, os assassinatos e tal, mas é a infância deles que prendem nossa atenção. Podia ser a nossa infância.
Respondido?

Um comentário:

  1. Adoro quando Cher Lopes diz que me odeia, por que sei que ela quer dizer exatamente o contrário.
    Só podemos odiar aquilo que verdadeiramente amamos, não é? E vice-versa.
    Adoro também as ironias dela. São certeiras: "crítico de quase tudo". AMEI! Acabou comigo nas minhas críticas de literatura e de cinema no meu blog.
    Mas Cher Lopes sabe que simples ironias não são suficientes para lidar comigo. As coisas são beeemmm mais embaixo quando se trata de Escorpiões... MWAHAHAHAHA!

    Hum... quem lê você escrever dessa forma vai, sem sombra de dúvida, acreditar piamente que SK é um mestre da literatura. Não apenas um mestre do horror, como vulgarmente se diz dele, mas um mestre de verdadinha, um dos grandes. E não há mesmo como discutir com você nesta questão: você é uma especialista no assunto, você leu tudo ou quase tudo que ele escreveu, você assistiu tudo ou quase tudo sobre ele e dele, você usa as poderosas armas da Teoria Literária a favor dele (como eu faço com minha amada Kate Chopin). Já pensou se eu te desse uma arma que eu trouxe especialmente para você dos Estados Unidos sobre ele??? Já pensou se existisse um texto de, digamos, Harold Bloom sobre Stephen King? E já pensou se esse texto estivesse aqui em casa esperando por você, mas que eu só tenha lembrado dele agora, neste momento?

    Ainda que você ainda caia nas minhas provocações birrentas contra o SK (não sei por que você continua caindo... rsrsrs... isso é indício da atuação do estranho freudiano em você...), não dá para deixar de lado que você é alguém que, neste campo, sabe do que está falando.

    Tenho que dar a mão à sua palmatória e tentar dar uma chance ao SK: talvez eu deva lê-lo com outros olhos, com os olhos que você propõe acima (ou talvez com os seus olhos de verdade, depois de arrancá-los... rsrsrsrsrsrs. Mas eu teria que continuar usando óculos... Brincadeirinha!!! Não vá levar a sério, hein!, ou eu vou começar a achar que você realmente me leva a sério em tudo, o que é um perigo para a humanidade). Afinal, os ombros que ele subiu para escrever seus textos são de gigantes: Poe e Lovecraft, para ficar nos mais conhecidos.
    Talvez seja a hora de eu começar a ler o SK de verdade.

    Falando realmente sério agora, Cher: se você consegue ler nele o que disse acima (que é um argumento bastante forte, eu diria, mas estilhaçável... não espere de mim esse estilhaçamento por que ele não virá), então é por que há algo mais ali. O estranho é, sempre, apenas o pico do iceberg, o imaculado véu branco que recobre uma pilha de cadáveres, a porta comum e sem maiores indícios da câmara de tortura. SEMPRE há algo mais por trás dele, SEMPRE a coisa é mais embaixo quando ele está presente e é detectável.

    Talvez o King seja, partindo da sua argumentação acima, um bom assunto para um mestrado, um bom assunto para um aprofundamento a partir da questão do estranho. A partir do estranho, e não exatamente parando no estranho... O estranho é o começo, não o meio e muito menos o fim.

    Depois de ter lido praticamente tudo que ele escreveu, o que você supõe que podemos encontrar embaixo do tênue véu do estranho que paira com tanta força sobre as obras dele?
    Isso é para pensar, não para responder, ainda que eu tenho certeza que você tem uma opinião sobre isso.

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