quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Sob a Redoma - Stephen King


Quando vi que a Objetiva ia lançar Sob a Redoma no Brasil, fiquei louca. Estava morrendo de vontade de ler alguma coisa no estilo novelão de King e eis que fui agraciada com uma grande surpresa. Os livros mais recentes de King (incluindo Love, Cell e Duma Key, além do finalzinho de Torre Negra) tem um grande defeito pra mim: a enrolação. Celular foi um dos livros que eu menos gostei do mestre, seguido por Love imediatamente. Duma Key tem uma vantagem enorme sobre eles por ser uma história muito interessante, mas eu senti nesses livros todos e em grande parte da Torre que Stephen King estava enchendo linguiça.
Uma pessoa capaz de escrever um livro com quase mil páginas como IT e Dança da Morte, acaba sendo um pouco prolixo e confiante demais. Porra, todos nós sabemos que ele quer derrubar arvores, mas a Torre Negra ficaria tão bem em apenas quatro livros que...bem, vamos voltar ao Sob a redoma.
Quem é fã é fã e eu decidi ler o livro, já que tinha lido a premissa e me perguntado: que porra esse homem escreveu em quase mil paginas sobre um Zé povinho preso debaixo de um vidro?
E não é que ele escreveu bem demais? Sob a Redona trouxe de volta o estilo “sem o pé no freio” de King, que encontramos em O Ilumidado e Zona Morta (quase todos os livros antes de meados de ’90, na verdade). Você começa ler e não consegue parar. O livro não tem extras chatos, detalhes insignificantes e embromation. O livro é um singelo tijolo que só diz o essencial.  Tudo é essencial, certo?
História de uma pequena cidade no Maine, que fica pertinho de Castle  Rock, e de um segundo para o outro fica presa sob uma redoma. Essa redoma cobre exatamente os limites da cidadezinha e é indestrutível.
Quam está fora não entra, quem está dentro...ah, entendeu, certo.
Dentro de Chester Mill temos um político com manias de grandeza que rapidamente evoluem para algo parecido com um ditador, temos o pessoal do bem e temos sim(!), um serial Killer.
Lembro quando li Dança da morte e – olha o SPOILER – existia uma gang de estupradores/torturadores que sequestrava e mantinha as mulheres sobreviventes em cativeiro – fim do Spoiler – e pensei: poxa, os últimos seres humanos da terra e um bando de filhos da puta faz uma coisa cretina dessas? E ai chega o tio King e mostra que as pessoas boas podem se mostrar cegas e irracionais em momentos de desespero. (mostra isso muito bem em Trocas macabras também).
Sob a Redoma é uma história de uma cidade enlouquecendo, rapidamente. A história de ratinhos presos em um labirinto, ou melhor, formigas em um formigueiro.  Eu estou relamente surpresa de ter gostado tanto. Sempre que leio um livro recente do king, já começo com um pé atrás.
Leiam pessoas, que esse vale a pena.  Pra não dar spoiler termino aqui, com três Ps’s.
Ps¹: Os xingamentos à Obama devem traduzir muito bem o que algumas pessoas pensam dele no sul.
Ps²: se liga na maneira como a religiosidade pode ser manipulada para chegar onde as pessoas querem.
Ps³: O King definitivamente não sabe qual é o alcance da internet. (quem leu sabe por que )



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

As bobagens que as pessoas fazem nos filmes de terror.




Acho que as pessoas nos filmes de terror devem, sim, morrer. Não importa o quão boazinhas elas sejam, acredito que o fortalecimento da espécie se dá com a sobrevivência do mais forte (que nos dias de hoje é a sobrevivência do mais inteligente) e não vejo nada de inteligente nessas pessoas de filmes de terror.
Onde já se viu você ter um monstro em casa e correr para o porão/sótão? Enfim, vai aí uma lista de dicas de coisas que você não deve fazer para não acabar morto de maneira trágica.


- Não jogue jogos como tábua ouija e brincadeira do copo. Velho, na boa, isso vai dar merda e você vai acordar uma coisa que está morrendo de fome.
- Não entre em uma mata/floresta/bosque sozinho. Nem acompanhado, na verdade. Há coisas ali que só estão esperando pelo lanchinho andante.
- Não vá passar noite em casas abandonadas. Elas estão abandonadas, e existe um bom motivo pra isso.
- Não brinque com ciganos. Nem com judeus. E nem com velhas negras. Eles podem querer se vingar com magia.
- Não adote uma criança. Principalmente se for aquela que as outras crianças ignoram. Você estará levando o mal para sua casa.
- Não confie nos seus vizinhos. Eles podem cozinhar carne humana e te dar em uma torta.
- Não faça pedidos para estrelas cadentes, poços dos desejos, lâmpadas maravilhosas e fogueiras. Eles podem se tornar realidade.
- Não confie na tecnologia. Não deixa gravadores ligados quando não tiver ninguém por perto, não assista televisão com chiado, não abra correntes de maldição no e-mail e não atenda números desconhecidos.
- Não duvide de lendas locais, e não tire sarro delas.
- Não tenha uma casa de vidro.
- Não vá tomar banho sem verificar de o banheiro está vazio antes. Tranque a porta.
- Não tenha bonecas e animais de pelúcia em casa.
- Não se aproxime de palhaços. Ou mágicos. Ou circos, na verdade.
- Não tenha espelhos. Nenhuma superficia reflexiva. Ainda ganha grátis a vantagem de não lembra que você é feio pra caralho.
- Não confie em famílias que vivem isoladas.
- Não seja uma puta. Ou um nerd. Ou do time de futebol.
- Não entre em lojinhas de antiguidade, e se entrar não compre nada.
- Não confie em padres, autistas, carolas ou velhas loucas da cidade.
- Não entre em lugares escuros como porões, sótãos, esgotos, covas e mausoléus. Não seja idiota.
- Não leia nada em latim.
- Não saia sozinho a noite.
- Não entre em casa se alguma porta ou janela que deveria estar fechada estiver aberta.
- Não deixe ninguém que você não conheça entrar na sua casa. E não dê carona para desconhecidos. E nem para conhecidos.
- Não peça pizza.
- Não entre em hospitais psiquiátricos, abandonados ou não.
- Nunca, em hipótese alguma, faça sexo.

Nem é difícil. Mantenha a fé em Deus. Use crucifixo. Tenha água benta e bala de prata a mão. E uma pílula de veneno. Essa é pra você, caso seja pego. 

American Horror Story - Asylum


                 


Hoje assisti o primeiro episodio da segunda temporada de American Horror Story. O subtítulo é Asylum e a história se passa, hoje e antigamente, em um hospício.
                Há todo aquele clichê sobre o hospício mal assombrado, com médicos torturadores e etecetera (o que me lembrou muito o Kingdom Hospital), mas há coisas por trás do terror, que são muito mais interessantes. E assustadoras. Já no primeiro episódio vemos três dessas realidades fantásticas pelas quais o mundo passou – e ainda passa – e que me deixam de boca aberta.
                A primeira é a união de um casal interracial. O ano é 1964 e o casal – casado – esconde o relacionamento de todos por medo das represálias que podem sofrer. O homem é branco e a mulher negra, e quando ele sai para trabalhar, a pedido dela, tira a aliança. Também esconde uma arma debaixo da cama como quem espera problemas com aquela união, embora eles pareçam se amar de verdade. Isso me traz a mente tudo o que já ouvi dizer sobre negros versus brancos nos EUA. Embora o racismo exista no Brasil, não consigo sequer imaginar a história de banheiros, ônibus, escolas e bebedouros separados por que uma pessoa é branca ou negra. Embora o Censo tenha liberado a informação de que os casamentos com pessoas da mesma raça sejam mais comuns do que os inter-raciais no Brasil, quando essas relações acontecem, não são nenhum pouco estranhas. Nos EUA isso ainda é um escândalo em alguns lugares. Como poderia não ser em ’64?
                Outro casal em Asylum que causa polêmica é um casal de lésbicas. Também na mesma época, duas jovens que moram juntas. Uma é repórter e outra é professora de crianças. Interessante ver que, por um motivo que está explicado no episodio, a situação de romance das duas chega perto de ser revelado. A professora é ameaçada com o segredo, dizendo que dar educação para crianças é uma coisa moral e que, se soubessem sobre sua “perversão” ela nunca mais entraria numa sala de aula. É de se pensar. Não duvido que uma coisa do tipo aconteça hoje em dia...
                Mas o mais impressionante é o manicômio em si. E os tratamentos. O hospício é dirigido por uma freira (que tem sua própria historinha libertina) que é rígida e faz as coisas em “nome de Deus”. Diz que as doenças mentais são desculpas para os pecados e trata os pacientes com rigidez espancamento e remédios. Uma pessoa que entra no hospício é louca. Sem tratamento para sua doença, mas sim para seu pecado. Se ela não é louca, logo ficará. Temos, sim, o doutor. Mas ele trabalha quietinho, em um quartinho separado, fazendo experiências com cérebros.
                Não sei se vou terminar de ver a série. Não consegui ver a primeira temporada muita angustiante. Mas tenho a dizer que se você retira a capa de sangue monstros e fantasmas, o que sobra e a crueldade pura que as pessoas são capazes (sentem prazer?) em cometer. Em nome da moral, dos bons costumes, e da religião. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Universo feminino de Stephen King


Ontem terminei de ler mais um texto de Stephen King. Com o passar dos anos, a faculdade de Letras e os títulos mais clássicos, o mestre do horror foi ficando cada vez mais de lado na minha lista de leituras, mas de vez em quando, sento e devoro um dos livros dele, e isso é divertido. O escolhido dessa vez foi Rose Madder, que eu jurava que nunca tinha lido, mas já tinha. Percebi que era uma releitura no meio do primeiro capitulo, comecei relembrar algumas partes, mas continuei, por que desta vez li o livro de uma perspectiva mais, talvez, adulta.
Resolvi escrever esse post, não para falar sobre Rose Madder, mas para colocar em ordem alguns pensamentos meus sobre as obras com heroínas de King. Não sei se minha lista vai ficar completa, mas há alguns destaques entre as personagens de Stephen King, que me fazem pensar que ele conhece bem o que se passa no interior das mulheres.
São vários os livros dele que nos remetem ao mundo feminino.

Em Carrie, (1972) temos como abertura a cena em que Carrie White menstrua pela primeira vez, aos dezesseis anos. A primeira situação que chama atenção na cena é a crueldade das outras meninas humilhando Carrie enquanto ela está desesperada por estar sangrando sem saber por que. King nos dá uma visão interessante através de Sue Snell. Carrie é uma pária na escola, por conta de suas próprias atitudes, as roupas que veste, sua aparência em geral. Sue sente nojo, ódio, pena de Carrie, e por ser adolescente, não consegue lidar bem com esses sentimentos. É uma das colegas que joga absorventes em Carrie enquanto ela chora e sangra no banheiro. A crueldade com que as meninas tratam Carrie, naquele momento para sue, é culpa de Carrie. Até mesmo a responsável pelas alunas, a professora se ginástica, sente em um primeiro momento vontade de esbofetear Carrie, por sua estupidez. A senhorita Desjardim consegue se controlar, mas aquele sentimento de repulsa por Carrie não desaparece completamente. Todo o texto de Carrie é sobre o universo feminino. E sobre adolescência. King permeou o texto com histórias e sentimentos de mulheres e os poucos personagens masculinos são nulos. Enquanto Carrie é uma vitima, Chris Hargensen é a algoz. Uma garota rica, mimada e popular, que faz de Carrie sua vitima preferida. Stephen King resumiu nesse livro a clássica disputa da High School americana, entre os populares e os perdedores. Mas não só isso. Mostrou por que essa rixa existe. Vandalizar Carrie é defender-se daquilo que Chris não quer ser. É se garantir como a pessoa de destaque, sem deixar brecha para ninguém mais.
E depois há a criação de Carrie. Ele não teve pai. Foi criada em um ambiente opressor por uma mãe fanática religiosa com ideias muito estranhas sobre como as coisas funcionam no mundo. O espaço de Carrie é dividido em dois. Dois mundos completamente diferentes. Um dominado pela mãe de Carrie, Margaret, e o outro dominado pela crueldade de crianças que tentam se firmar.
É ainda um mistério Margaret não ter educado Carrie em casa. A menina sempre cresceu a parte da sociedade, tendo convivência mínima com outras pessoas que não fosse sua mãe. Ela foi criada para acreditar que o mundo era um lugar cruel, indecente e pecador. Não é a ideia que Carrie tem do mundo, no entanto. Ela quer estar nele. Quer fazer parte daquilo que considera natural e ao mesmo tempo entende que não se encaixa neste mundo. Carrie é a história de uma garota entrando na adolescência, elevada a quinta potência.

Outro título que fala sobre mulheres é A Incendiária (1980). Firestarter é um livro diferente de tudo o que King escreveu. E entra em três categorias distintas dos personagens de King. É um livro sobre mulheres, mas é um livro sobre homens e sobre crianças. Charlie Mcgee é uma menina. Oito anos de idade. Mas ela já sabe fugir, se esconder e roubar. A Incendiária é um livro sobre teoria da conspiração. O governo testou nos pais de Charlie (antes que eles se casassem) uma vacina que deu aos dois poderes psíquicos. Vicky pode mover pequenos objetos com a mente, e seu marido, Andy, consegue manipular o pensamento das pessoas para que realizem sua vontade. Nada absurdamente grande. Só pequenas coisas como fazer um grupo de mulheres gordas caminharem e esquecerem de comer porcaria. Eles se casam e tem uma filha, Charlene. O que eles não sabem é que o governo vigia a menina de perto, já que ela é um efeito colateral do teste que aplicaram nos pais. Vicky é assassinada quando agentes do governo procuram por Charlie, depois de perceberem que ela tem poderes pirocinéticos. Charlie pode atear fogo com o poder da mente. A história é sobre fuga e depois captura de Charlie pelo governo. E sobre a sua necessidade de controle. Charlie tem um poder muito maior que o dos pais, e precisa aprender controlá-lo. Mas ela é só uma garotinha. Quando ela é capturada e separada do pai, aparece um dos personagens mais intrigantes de Stephen King. Rainbird. Ele é um índio, um assassino, e alguém em busca de receber uma grande revelação através da morte de outras pessoas. Rainbird se aproxima de Charlie como se fosse o faxineiro do complexo em que ela está presa, e eles se tornam parceiros. Existe uma leve sugestão sexual na relação entre o índio e Charlie. Embora ela só tenha oito anos, e o desejo de Rainbird seja matá-la, em algumas cenas tem-se a impressão de que ele também está apaixonado por ela. Ele não vê a criança que Charlie é, mas vê um grande ser de poder na figura da garota. É uma mistura de desejo, inveja, vingança. O interessante é observar a diferença entre a Charlie do começo da história e a menina que consegue explodir todo um complexo do governo e escapar. Charlie é uma evolução de si mesma, que tem que superar em pouco tempo a morte dos pais e a ideia de que agora ela é sozinha no mundo, além de controlar sua raiva, para que não coloque fogo no mundo.

Jogo Perigoso (1992) é um livro totalmente feminino. É a história de uma mulher algemada em uma cama, sem condições de escapar. As implicações de Jogo Perigoso são imensas. Primeiramente, Jessie Burlingame está para ser estuprada pelo seu próprio marido. Depois de aceitar ser algemada na casa do lago do casal, Jessie decide que não quer mais fazer sexo daquela maneira. O marido - Gerald - aceita as recusas da esposa como se elas fossem parte do jogo masoquista, Jessie perde o controle e acerta o marido, gordo, na virilha causando sua morte por ataque cardíaco. Jessie se vê presa em uma cama, em um lugar ermo, com o marido morto do lado. Esse livro não tem nada de sobrenatural. É o terror puro de uma mulher que se vê presa não só fisicamente, mas nas lembranças de sua infância, com uma mãe ciumenta e cruel por que o marido (pai de Jessie) é atraído sexualmente por ela. A mesma situação pode ser vista com Bev, em A Coisa. No caso de Jessie, há a lembrança clara de um dia de eclipse, em que ela se arrumou especialmente para o pai, que abusa dela enquanto ela observa o sol se esconder. Essa lembrança enterrada na mente de Jessie vem à tona com outras, no momento em que ela se vê impossibilitada de sair daquela armadilha. Jogo Perigoso tem seus elementos de horror mais físicos, como um necrófilo que “visita” Jessie durante a noite e a observa, ou o cachorro que começa comer partes do seu marido, depois de passar fome ao ser abandonado pelos donos. Mas Gerald’s Game não precisava disso. A própria situação de Jessie estar persa com suas lembranças, algemada e com sede já é o suficiente para abrir espaço para o medo, pelo menos para mulheres. A história de Jessie é pavorosa por si mesma, e também um bom exemplo de como as pessoas se adaptam aos traumas para poderem viver novamente. Aquelas sombras estão sempre lá, e às vezes, elas reaparecem para assustar, mas na maioria do tempo pode-se guardá-las no fundo da mente, simplesmente para sobreviver. Jogo Perigoso mostra a mulher criando coragem de enfrentar todos seus medos e traumas, usando esses sentimentos de raiva, decepção, medo e nojo para poder superar a situação mais emergencial. Jessie escapa da cama em que estava presa, mas nunca mais será a mesma mulher.

Dolores Claiborne, com o titulo no Brasil de Eclipse Total (1992) é, sem dúvida, a melhor narrativa de King. Quem narra a história, em só fôlego, é Dolores, moradora de uma ilha no Maine, que tem muita história pra contar. Sua patroa, Vera Donavan, morre e deixa pra ela uma herança. A polícia a interroga sobre a morte da patroa e Dolores desfia a historia de sua vida para os policiais. Dolores é uma mocinha ingênua, que se casa com um homem ruim, e desde o começo tem que sustentar a casa e os filhos. Ela é uma lutadora, que vai trabalhar com Vera e tem que agüentar muitas humilhações para colocar comida na mesa. Os problemas de Dolores com o marido, os filhos, a patroa, são imensos, mas pioram muito quando ela finalmente descobre que o pai de seus filhos vem abusando se sua menina de 15 anos. A história de Dolores não tem elementos sobrenaturais como outros textos se Stephen King. É um texto sobre o que uma mãe pode fazer pelos filhos. Eclipse Total foi dedicado a mãe do autor, e retrata até onde uma mãe pode chegar para proteger sua prole. A história também retrata como foi a vida de Vera, que perdeu os filhos em um acidente, e por se sentir extremamente culpada por isso, não admite que eles estejam mortos. Vera, aos poucos, vai enlouquecendo e Dolores é a única pessoa que ela aceita que esteja por perto. Dolores convive com a loucura de Vera, o sofrimento de seus filhos quando crianças, o distanciamento deles depois de adultos, a própria velhice e além de tudo, tem que lidar com o fato de que não sente nenhum pingo de culpa por ter assassinado o marido.

O livro que me trouxe aqui, Rose Madder (1995), conta sobre uma mulher que foge do marido violento. Na primeira cena, Rosie está sofrendo um aborto, depois de ser espancada. Fazia muitos anos que uma cena não me fazia passar mal como essa. Ao ler sobre Rosie perdendo o bebê, minha pressão caiu e fiquei tonta. Depois de vestir minha capa de indiferença, levei o livro em diante e fui relembrando como era a história da fuga de Rosie. Depois de ser espancada por 14 anos, de formas horríveis, Rosie acorda uma manhã e vê uma gota de sangue no seu lado do lençol. Aquela mancha de sangue desencadeia nela a reação da fuça. Sem ao menos pegar um casaco, Rosie foge do marido, e vai para outra cidade. Lá começa a se recuperar, construir uma vida. Mas Norman, o marido, ainda não terminou com ela. Rose Madder tem umas coisas bem decepcionantes, como o pouco foco em outros personagens que não sejam Rosie e Norman. Ainda assim, é uma história muito interessante, em que se pode sentir pena e amor por Rosie, torcer para que ela seja feliz. E sentir medo por ela, cada vez que Norman consegue mais uma pista de onde ela pode estar. A superação de Rosie, com a ajuda de um quadro que é uma janela para outro mundo, é muito bonita de se ver. Um ser amedrontado vai se revestindo de coragem para dizer nunca mais aos abusos domésticos. A loucura de Norman, sua obsessão por vingança, a maneira como ele fantasia matar Rosie, leva o leitor a um clímax quando ele a encontra. A realidade com que King retrata as violências sofridas por Rosie dá um nó no estomago. Além disso, ao entrar no mundo do quadro, King dá ao leitor a percepção de coisas muito maiores que estão para acontecer ao mundo, e que talvez Rosie estivesse destinada a passar por todo aquele horror para poder fazer parte de algo maior. Em Rose Madder, a realidade da violência domestica atinge o leitor e pode-se entender que isso acontece em muitos lares, perto de nós.

Esse post tem por objetivo mostrar um pouco de Stephen King e sua relação com o universo feminino. Nem todos os livros estão aqui, mas as histórias aqui retratadas podem mostrar um pouco do conhecimento dele com um mundo que é tão misterioso para a maioria dos homens, são historias de dores, traumas e superação, e se king tivesse enveredado por esse lado ao invés de escrever historias de monstros, talvez fosse um autor um pouco mais respeitado. Mas, pelo menos, ele tem a nós, os leitores fiéis. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Sobre o casamento, relação, convívio social e filhos de homossexuais.




Sou totalmente a favor da união de pessoas do mesmo sexo. Portanto, se você é um hater, pode parar de ler aqui.  Eu não consigo entender por que esse assunto ainda causa tanta polemica no mundo ocidental. A homossexualidade existe desde que o mundo é mundo, e os gays sempre foram discriminados na sociedade por causa da sua “opção sexual”. Não acredito que ser homossexual é uma opção. Ninguém opta por ser discriminado, mal visto, abusado, espancado e julgado. Não é por que um cara é gay que ele é pervertido, nem por que a menina é lésbica ela vai sair por ai se aproveitando das outras mulheres.  
Eu acho muito revoltante as pessoas que pregam a “palavra de Deus” e diz que ser gay é antinatural. O que seria natural? Procriar? Se é assim, a Igreja, ou as igrejas, não deveriam aceitar casais que usam controle de natalidade. O pior é que a sociedade acaba usando os dogmas religiosos para criarem leis. E eis por que os homossexuais não podiam oficializar uniões no Brasil. Agora podem, mas não é um “casamento”.
A sociedade não aceitava as mulheres no mercado de trabalho, e hoje somos uma força trabalhadora de liderança no Brasil e em boa parte do mundo. Os negros que são marginalizados até hoje, estão encontrando cada vez mais seu lugar ao sol, e os homossexuais tem o mesmo direito que todas as outras pessoas de mostrarem orgulho de terem um parceiro, e desejo e possibilidade de construir uma família. Por que não??
Hoje perguntei para uma pessoa o que ela acha do casamento entre pessoas no mesmo sexo e ela disse que acha ok. Perguntei o que ela acha de um casal gay criando uma criança. Ela disse que eles deveriam ser investigados primeiro...EU ACHO que se alguém, independente da sexualidade, for adotar uma criança, deve sofrer investigação. Mas não por ser gay. Quantas mães abandonam seus filhos biológicos em lixeiras? Quantos pais abusam de seus filhos e filhas?
Quando eu digo que sou a favor da união de pessoas do mesmo sexo, estou dizendo que sou a favor das pessoas escolherem com quem vão viver suas vidas, construir sonhos, criar filhos e serem felizes. Sem o risco de apanhar na rua, sem situações constrangedoras  - como um filho chegar em casa chorando porque os coleguinhas tiraram sarro dele na escola.
Quando eu digo que sou simpática à luta gay, quero dizer que pra mim, as pessoas deveriam ser tratadas como tal, independente da religião, da cor, do sexo ou de com quem querem fazer sexo (desde que consensual). As pessoas deveriam poder chegar em casa, da um beijo no marido, esposa ou companheiro, tomar um taça de vinho ou abrir uma cerveja e poder falar de todos os problemas comuns do dia a dia, que já são tantos. E não ter que militar por direitos que foram tirados tão irracionalmente.  

terça-feira, 17 de julho de 2012

Minha relação com os Best Sellers

Todo mundo sabe da minha paixão nada secreta, porém vergonhosa por best sellers. Não que eu leia qualquer Best seller, mas a minha queda por romances policiais e de suspense me leva, às vezes, a consumir alguns textos que a critica acha duvidosos, embora eu ache é muito divertido!
Além disso, ainda há aquela coisa com os escritores de Best Sellers. Eles são os que tiraram a sorte grande, os ganhadores da loteria de um mercado que é extremamente competitivo e difícil. Não é só “cair nas graças do público”. Antes de ser um cara famoso, o escritor tem que ser aceito por uma editora. Essa editora tem que acreditar no seu potencial e divulgá-lo. O público tem que arriscar sair daquela zona de conforto dos autores conhecidos e experimentar coisas novas. E apesar de tudo isso ser difícil, há a parte mais difícil: escrever.
Dizem por ai que os escritores de linha de produção (os que lançam pelo menos um titulo por ano) têm uma fórmula para escrever. Eu concordo. Se você pega um livro da Danielle Steel verá uma mulher muito rica que sofre nas mãos de um cafajeste, passa por apertos financeiros e depois redescobre o amor verdadeiro em um cara mais podre de rico ainda. Esse tipo de livro vende (ou vendia) porque mulheres têm carência de duas coisas: amor mágico e vida de luxo. Ler um livro de DS era entrar em um mundo mágico de riqueza e luxo e mesmo assim saber que as mulheres têm problemas reais. (ok, isso é um saco, mas quando eu tinha 14/15 anos chorei muito com os livros da madame Steel.
Sidney Sheldon (que até hoje é redescoberto por pessoas de 16 anos (eu sempre fico passada quando ouço pessoas de 16 anos lendo SS)), tem sua própria fórmula. Personagem principal: mulher que sofre uma injustiça e sai quebrando tudo. Eu também gostava. Aliás, tem um, sobre uma moça inocente que é presa injustamente e sai para virar uma griftter, que eu ainda adoro (!). Ao contrário da DS, SS escreveu “apenas” uns 15 livros. A fórmula ainda é obvia, mas como as histórias eram mais bem desenvolvidas, (falavam sobre política, imprensa, psicologia e crime), os livros dele eram mais divertidos.
Hoje em dia não consigo mais engolir romances, pelo menos não romances “mais vendidos”, embora esteja adquirindo uma queda por certos romances clássicos. Por isso quando as pessoas me dizem que “Cher, você tem que ler Sparks” eu dou meu melhor sorrisinho e ignoro (aliás, as pessoas que sabem o quanto eu sou fissurada em leitura têm a ideia de me indicar qualquer coisa, tipo A Cabana).  No entanto, existem dois escritores de best seller que eu estou consumindo agora e me divertindo horrores.
O primeiro é uma paixão mais antiga, e versa sobre um tema que eu adoro: tribunais. O escritor é o advogado estadunidense John Grisham e muitos dos seus livros se tornaram excelentes adaptações de cinema. Entre ficções e não ficções, livros de tribunal e um ou outro sobre assuntos como futebol americano e a vida no interior, Grisham conseguiu um status bacana entre os escritores atuais. Seus livros versam principalmente sobre jovens advogados em inicio de carreira que conseguem alcançar um objetivo quase impossível. Ai está a formula. Mas o bacana em Grisham é a maneira como ele utiliza a pesquisa e as leis reais para complementar suas histórias. Além disso, pode-se perceber em seus textos o quanto os Estados Unidos pode ser corrupto, indigno e racista. Uma característica que noto nessa nova onda de Best Sellers, é a falta de importância que os escritores são com o dinheiro. Não vou fazer uma descrição social dos novos leitores, mas os mundos de luxo de DS e SS, Harold Robins e companhia não é mais a pedra fundamental do sucesso dos romances de larga produção. Hoje as pessoas querem ler sobre os que estão subindo na vida, batalhando e buscando o sucesso. As mulheres não querem mais ficar em casa, cuidar dos filhos e comprar sapatos (elas querem só comprar sapatos!). As mulheres querem uma carreira. Os homens querem uma carreira. E por isso os livros de Grisham têm, geralmente, um personagem central masculino, normal, sem grana e que cativa os dois públicos. Além do mais, o homem escreve de uma maneira muito interessante. Rápido, mas bem descritivo, incisivo e econômico, de um jeito que não nos dá a impressão de algo faltando. A vida pessoal das personagens tem vez nos romances de Grisham, mas são só um reflexo de algo maior: o trabalho. Os livros de Grisham são sobre a vida que a pessoa está construindo e as dificuldades disso. Mas são também sobre a superpotência americana manipulando todo o mundo através das leis. Sobre companhias ricas que estão ricas à custa dos consumidores, sobre a indústria advocatícia americana e tudo de bom e mal que há nela. E sem muitos termos técnicos.
Outro autor que ando lendo e gostando é Harlan Coben. Um dia acredito que ele vai ser um grande nome entre os escritores de Best seller, e ainda não é por que é cru. Coben escreve mistérios policiais. O que o faz vender não é sua escrita nem seus personagens. Coben ainda precisa melhor muito a empatia de seus personagens com o público, melhorar os diálogos em seus livros e se levar um pouco mais à sério. Como não poderia deixar de ser, depois da primeira onda de sucesso, Coben criou um detetive só dele. Um personagem bem fraquinho, na minha opinião. Muito infantilizado e fora de timing. Mas em uma coisa Coben acertou todas as vezes, até agora: o mistério em sí. Os mistérios de Coben são bem estruturados, modernos e intrigantes. A maneira como ele chega à solução do mistério durante o romance é muito bacana e interessante. O problema de seus livros é que, quando o detetive vai contar o que realmente aconteceu, nós já sabemos. Mas cá entre nós, ninguém escreve um mistério como Agatha Christie, e se formos usar ela como parâmetro pro Coben, ele fica no chinelo.
Enfim, apesar de todos os defeitos listados e das vezes em que eu li uma frase de Coben e “franzi o sobrolho”, ainda acredito que ele possa se tornar um grande cara, e enquanto isso, vou me divertindo com o que consigo.  

quarta-feira, 21 de março de 2012

Por que a prostituição sobrevive?

Dizem que a prostituição é a profissão mais antiga do mundo.
Imagino quer deve ser também uma das profissões mais citadas na bíblia sagrada, uma das mais apelidadas e isso deve ser uma droga pras pobres profissionais do sexo, na maioria das vezes. Tirando essas garotas de programa de luxo, imagino que as mulheres acabem tendo que sair com qualquer homem que aparecer, não interessando a idade, o cheiro e a circunferência da barriga. Deve ser foda.
Mas, ainda é melhor do que roubar, certo?
Enfim, esses dias eu tive uma conversa e depois fiquei pensando sobre essa profissão e por que ela ainda está tão em evidência por ai. Imagino que antes dessa liberação sexual, as prostitutas tinham uma utilidade muito maior, pois era o meio de um homem conseguir fazer sexo sem ser casado, ou variar um pouquinho do arroz e feijão de casa.
Mas com a coisa toda da pílula, do sutiã, da mulher no mercado de trabalho e a tal maldita independência, as mulheres andam dando por ai com maior rapidez do que o homem pode arcar.
Então por que ainda existe esse filão do mercado que são as garotas de programa?
Eu pensei, pensei (isso que dá não ter nada pra fazer por muito tempo) e cheguei à conclusão de que a mulher nunca faz sexo de graça. NUNCA.
As vadias das festas cobram em bebidas, as pegajosas e obcecadas em atenção, as carentes em afetos e afagos...e as certinhas...ai fica muito mais caro.
Um homem que quer transar com uma mulher (sem pagar) tem que ter um local apropriado para a caça e mesmo assim não é certo que vá arrumar nada no fim da noite. Se for feio então, minha filha...esquece. Um cara que quer uma transa de uma noite tem que pagar por um motel e muitas vezes ainda dormir com a mulher depois, falar da vida, ouvir ( o que é pior ( nessa parte eu acho que sou homem)).
Um cara que sai com uma certinha (aquelas que selecionam quem levam para a cama) vai precisar no mínimo pagar um jantar, comprar uma camisa nova, pagar o motel, ouvir os papos e pelo menos fazer um esforço para mostrar para aquela mulher que ele é digno de uma trepada. Isso também pode ser um tiro no escuro, por que o cara pode:
- não conseguir a trepada
- conseguir e ela ser muito, muito ruim.
- conseguir e a mulher achar que os dois estão em um relacionamento.
Além do mais, quando um homem leva uma mulher para jantar eles têm que ter algum contato anterior, o que significa que ela, provavelmente, tem o telefone dele, e se ela for uma daquelas loucas pegajosas, bem, fudeu.
Isso sem contar as esposas. Homens que querem casar preparem-se para não ter mais vida própria, dinheiro seu, silêncio e paz. Você vai conquistar o direito de ter uma mulher que vai te dizer não, muitas vezes, em muitos casos, e vai controlar seu horário, seu dinheiro (e provavelmente detestar a sua mãe).
No fim acho que a prostituição é um meio mais barato, seguro de obter o que se compra e sem complicações desnecessárias de se obter sexo. Desde antes de Cristo.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Os deuses de Martin - Crônicas de Gelo e Fogo


As mitologias existentes nas Crônicas de Gelo e Fogo são excelentes.
Existem muitas terras, e com elas, vários deuses. Uma coisa que tenho notado, na leitura deste quarto livro é como a questão religiosa foi crescendo durante a trama.
Em GdGeF cada povo tem suas próprias crenças, e Martin consegue tratar essa situação de maneira muito interessante. Em vários aspectos, as diferenças religiosas são aceitas, ou pelo menos toleradas, mas com o desenvolvimento da história, como avanço da guerra, com as modificações de poder, as tolerâncias estão terminando.
Dois aspectos interessantes da religião em GoT são as ideias do Deus único e do Deus afogado.
Primeiramente podemos dizer que as crenças religiosas se adaptam ao local onde as pessoas vivem. Os deuses árvores com cara de coração são os reis do norte, onde existem florestas vastas e muitas árvores. O Deus Afogado é um deus do mar, adorado pelos moradores das ilhas de ferro.
Gosto muito da concepção do Deus Afogado. Ele se encaixa perfeitamente na maneira como os homens de ferro vivem. Através de seus sacerdotes (e o principal deles, Cabelo Molhado, é muitíssimo devoto) o Deus Afogado fala, e sua maneira de se comunicar é através das ondas. Fiquei muito surpresa com a maneira como Martin apresenta os rituais para o Deus Afogado. O povo das Ilhas de Ferro vive quase que exclusivamente do mar. Existem capitães e tripulação em centenas de navios. Um povo que vive do mar, não pode ter medo dele, e para isso os sacerdotes afogam os devotos, transformando-os em parte do mar. O ritual de afogamento e ressuscitação dá a ideia ao devoto de que ele sobreviveu ao mar. E que depois disso ele tem que temer outros perigos, mas não aquilo pelo que já passou. É uma ótima lavagem cerebral, uma concepção extremamente interessante e que se cerca de outras ideias também interessantes, como a de que o último lar de um devoto é embaixo do mar (literal e figurativamente). Um homem devoto terá seu lugar no reino embaixo do mar depois de sua morte terrena e por isso não tem que temer nunca a morte. Essa ideia religiosa funciona muito bem para criar homens destemidos para a guerra. Os homens de ferro são grandes lutadores.
Há outros deuses, e para mim o que é mais interessante é R'holor. Ele é o chamado deus único e seus sacerdotes são os mais intolerantes de todos os sete reinos. Na verdade os sacerdotes vermelhos incitam a intolerância e fazem guerra através do nome do deus. Nesta seita, existe o deus e seu oposto. A chama e luz e a escuridão. Lembra o que mesmo?
Um dos reis que está reclamando o reino é Stannis. Ele segue, um pouco a contra gosto acredito, Melissandre, que é uma sacerdotisa vermelha com poderes realmente grandes. Existe magia em Melissandre e ela deve essa magia (negra, ao meu ver) ao seu deus único. No momento Stannis usa em suas armas o símbolo do veado (que é o símbolo de sua casa) misturado com o vermelho do deus R'holor.
A batalha em GoT está cada vez mais focada em motivos religiosos. Os sacerdotes dos sete reinos estão pegando em armas e a guerra fez com que muitos templo e pessoas santas fossem conspurcados.
Cada vez mais eu vejo As Crônicas de Gelo e Fogo como uma paródia da vida real. Com os menos ideais distorcidos. Acredito que em algum momento essa Jihad se torne o foco principal da luta e ai, que os Sete nos protejam.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Abelhas e zumbidos – o socialismo e o entendimento de língua.


Ontem estava comentando com o meu namorado sobre o sensacional livro 1984 de George Orwell.  Ele ainda não leu e, na verdade, o papo chegou nele através de outro livro: O Manifesto Comunista, de Marx.
Ler O Manifesto hoje é poder olhar para a história e ver como as utopias são furadas. Tentar viver em uma sociedade socialista é negar a natureza do homem. As pessoas não são como as abelhas, que aceitam as suas funções sem reclamar. E também são muito egoístas para aceitar que não podem ter mais que as outras pessoas. O conceito de igualdade é assustador para todos, pois a única maneira que o ser humano conhece de se sentir especial é possuir coisas. Possuir bens, ou diplomas, ou vantagens. Em minha opinião, a natureza do homem já está tão mascarada no meio de todas as regras sociais, etiqueta, leis e convívio, que seria realmente impossível aplicar o socialismo em grande escala. Mas, temos alguns bons exemplos de pequenas sociedades que vivem bem com o modelo do socialismo, embora isso geralmente implique religião (o ópio do povo, meu Deus!!) ou ideologias – vide os hippies e os amish.
No livro de Orwell a sociedade é bem calminha, tranqüila e cumpridora de seus deveres. As pessoas são como abelhas, que vivem em função de fazer as coisas funcionarem. Claro que isso tem um preço, que é a falta de liberdade. Em tudo. Falta de liberdade de ir e vir, de falhar, de se expressar e de pensar.
O que me pegou em 1984 foi exatamente a maneira como Orwell conseguiu mostrar uma sociedade que aceita esse tipo de controle. Orwell não podou a liberdade de expressão da sociedade. Ele tirou essa capacidade das pessoas, tirando-lhe as palavras.
Eis que surge uma das ideias mais geniais que já li sobre controle social: a novilíngua.
A novilíngua consiste em restringir o significado das palavras, através de cortes de significado, composição de palavras e significados.
Um exemplo que acho genial é o que fizeram com certos adjetivos (aqui estou tomando certa licença por que não lembro quais são exatamente os termos). As palavras péssimo e maravilhoso são substituídas pelas palavras unbom e plusbom. Ou seja, o que existe é só a palavra para expressar qualidades que não são opostas entre si, mas tem significado totalmente diferente. Essa foi a maneira que o governo autoritarista de 1984 descobriu para  controlar toda uma sociedade.
As pessoas podem não pensar nisso nunca, mas o poder que as palavras exercem sobre tudo o que nos rodeia, é incrível. Cada coisa deve ser nomeada para passar a existir. Cada sentimento deve pode ser expressado por existir uma palavra que o defina. Até simples objetos deixariam de existir se não tivessem nome. Mesmo que o objeto estivesse ao alcance de sua vista, ele não existiria se não tivesse nome, pois se você não pode falar sobre ele, ele não está lá. O que Orwell faz é tirar qualquer significado das palavras. É tirar seu sentido de maneira que ao expressá-la, a palavra se torna vazia.
Imagine a língua como algo vivo, mutável, cheio de novas possibilidades. A língua não são só palavras. São gestos, tons de voz, escrituras, bordões. É língua é o que nos permitiu chegar aonde chegamos a termos de tecnologia, ciência, educação, política. Tudo se deve a língua e não aos polegares. Tudo se deve à nossa capacidade de nos perguntar de podemos fazer algo novo para facilitar as coisas, e só podemos nos perguntar através da língua.
Orwell quebra esse processo de pensamento quando reduz a língua ao simples ato de comunicar ideias simples. Quando não existem mais palavras para se expressar, o pensamento deixa de ser complexo. As ideias desaparecem e as vontades se vão com elas.
No mundo do Grande Irmão as pessoas estão presas em ideias pré estabelecidas das quais não podem fugir por não ter noção de que aquilo não é verdade absoluta. Um mundo pode ser completamente dominado, não a partir de guerras, mas pelo recurso de deixar as pessoas sem ter o que dizer.
Voltando às pequenas células do socialismo, ele só funciona em pequena escala por que ele precisa de isolamento de ideias. Quando as pessoas são guiadas por uma religião ou ideologia, aquilo tem sentido maior do que qualquer coisa ao seu redor. Um grupo alienado das mudanças constantes do mundo pode viver como uma colméia. E em paz.
Então fica a pergunta: melhor viver em guerra e poder pensar livremente, ou viver em paz, e não pensar?