Eu ando muito viajada com umas coisas que me sugeriram, e acabei
percebendo que, muitas vezes, nós só vemos do mundo o que as outras
pessoas querem que vejamos e esquecemos de ampliar nossos horizontes até
onde só pessoas um pouco mais iluminadas vão.
É interessante perceber, em meio a conversas, como nós mesmos podemos nos limitar e pensar como uma colônia, apesar de sermos chamados de indivíduos.
Cada vez mais, percebo que as coisas individuais são muito raras e que a maioria das pessoas, eu inclusa, estou mais para o senso comum.
Decidi, dentro do meu senso comum, começar pegar coisas que aparentemente são simples, e chegar um pouco mais à fundo nelas. E comecei pensar em como nós entendemos o mundo de maneiras diferentes, dependendo de quem nos fala. Como um texto pode ser tão amoral (terrível, grotesco) e ter todo seu sentido amenizado por um contexto.
Um exemplo simples: um adulto, pingando cloro nos olhos de um animal amarrado pode ser uma cena absurdamente doentia e horrenda, mas, se isso for feito em um laboratório, está ok.
Partindo desse principio, comecei pensar em uma história que assisti, em um seriado muito ruim (que eu guardo para os dias de tédio) em que adolescentes de rua eram sequestrados, tinham seus órgãos e sangue retirados para ser vendidos como potencializadores sexuais e de saúde num mercado bem especifico, e depois eram queimados em fossas mortuárias.
Já li sobre muitas histórias macabras na minha vida, e a maioria é de casos reais, mesmo que sejam transformados depois em ficção. Essa história, particularmente, me lembra muitos dos procedimentos utilizados durante o Holocausto. Existe um grande distanciamento entre as pessoas e o Holocausto, por que o horror desse evento foi tão absurdo que a maioria das pessoas não consegue assimilar tudo o que aconteceu. Apesar da documentação, fotografias e histórias dos aliados e dos sobreviventes, admitir racionalmente o horror desse evento é muito difícil para qualquer pessoa, por que esse ato não foi imposto por um pequeno grupo de membros, mas por toda uma nação. E à uma raça inteira.
Voltando aos adolescentes estripados, assisti ao episódio de Grimm sem nenhuma sensação incômoda. Por quê?
Bom, os seqüestradores/assassinos eram criaturas fantásticas.
Você tem que dar um crédito para criaturas fantásticas.
Inserir termos fantasiosos em uma história dá a ela algumas imunidades. É mais ou menos como no Mundo da Lua, do Lucas Silva e Silva, onde tudo pode acontecer.
A partir do momento em que a ferramenta do fantástico é usado em um texto, ele se torna passível de tudo, qualquer coisa que acontecer no desenrolar da história pode ser considerada comum, já que não há nada de comum na história. Então, assassinos que vendem pedaços humanos e descartam o resto sem nenhum respeito, passam a ser considerados “seguidores de instintos ou de tradições” e deixam de ser o que são, assassinos de crianças. Isso por que o espectador/leitor consegue entender como a mentalidade daquele personagem funciona. O receptor se IDENTIFICA com o assassino, com a desculpa de que ele é um ser fantástico e que aquele comportamento está em seu DNA. (não me surpreende o Holocausto, quando os arianos nazistas simplesmente fizeram o que fizeram tomando a tortura e assassinato como obrigação, se distanciando sentimentalmente daquele ato).
Enfim, achei muito interessante a proposta de Grimm (embora eles não devam saber o que estão fazendo) em colocar situações grotescas em um cotidiano fantástico (não tenho certeza que posso usar as palavras cotidiano e fantástico na mesma frase).
Essa é uma das funções do texto de fantasia: tornar tudo possível. A partir do momento em que o leitor/espectador se vê no meio de um texto fantástico ele perde toda a necessidade de racionalizar as pequenas coisas. Um texto de fantasia é um acordo entre autor e leitor, para que o entendimento possa acontecer. Para que um texto fantástico seja lido, ele não tem que ser, primeiramente, entendido. Tem que ser aceito. O leitor e o texto têm que criar um vinculo, para que as situações que estiverem sendo apresentadas não causem uma estranheza tão grande que o texto não possa ser terminado. Para que um leitor aceite um texto fantasioso, ele deve se despir de todas as suas racionalizações e pragmatismo e tornar real a ideia de que tudo pode acontecer enquanto estiver com aquela obra em mãos.
Talvez seja ai que resida o encantamento dos contos de fadas para crianças. As crianças não têm que fazer um pacto com o texto. Para os pequenos o texto é apenas o que ele é: uma verdade absoluta. O conto de fadas, o texto, é parte da alma infantil, parte de sua imaginação e de sua verdade. O conto de fadas é apenas a materialização em palavras do que a crianças tem como real.
Com o adulto acontece o mesmo, mas como somos “racionais” e “senhores de nós mesmos” precisamos de um pacto para que, quando o livro for fechado, as letrinhas dos créditos subirem, voltemos para a vida real.
É interessante perceber, em meio a conversas, como nós mesmos podemos nos limitar e pensar como uma colônia, apesar de sermos chamados de indivíduos.
Cada vez mais, percebo que as coisas individuais são muito raras e que a maioria das pessoas, eu inclusa, estou mais para o senso comum.
Decidi, dentro do meu senso comum, começar pegar coisas que aparentemente são simples, e chegar um pouco mais à fundo nelas. E comecei pensar em como nós entendemos o mundo de maneiras diferentes, dependendo de quem nos fala. Como um texto pode ser tão amoral (terrível, grotesco) e ter todo seu sentido amenizado por um contexto.
Um exemplo simples: um adulto, pingando cloro nos olhos de um animal amarrado pode ser uma cena absurdamente doentia e horrenda, mas, se isso for feito em um laboratório, está ok.
Partindo desse principio, comecei pensar em uma história que assisti, em um seriado muito ruim (que eu guardo para os dias de tédio) em que adolescentes de rua eram sequestrados, tinham seus órgãos e sangue retirados para ser vendidos como potencializadores sexuais e de saúde num mercado bem especifico, e depois eram queimados em fossas mortuárias.
Já li sobre muitas histórias macabras na minha vida, e a maioria é de casos reais, mesmo que sejam transformados depois em ficção. Essa história, particularmente, me lembra muitos dos procedimentos utilizados durante o Holocausto. Existe um grande distanciamento entre as pessoas e o Holocausto, por que o horror desse evento foi tão absurdo que a maioria das pessoas não consegue assimilar tudo o que aconteceu. Apesar da documentação, fotografias e histórias dos aliados e dos sobreviventes, admitir racionalmente o horror desse evento é muito difícil para qualquer pessoa, por que esse ato não foi imposto por um pequeno grupo de membros, mas por toda uma nação. E à uma raça inteira.
Voltando aos adolescentes estripados, assisti ao episódio de Grimm sem nenhuma sensação incômoda. Por quê?
Bom, os seqüestradores/assassinos eram criaturas fantásticas.
Você tem que dar um crédito para criaturas fantásticas.
Inserir termos fantasiosos em uma história dá a ela algumas imunidades. É mais ou menos como no Mundo da Lua, do Lucas Silva e Silva, onde tudo pode acontecer.
A partir do momento em que a ferramenta do fantástico é usado em um texto, ele se torna passível de tudo, qualquer coisa que acontecer no desenrolar da história pode ser considerada comum, já que não há nada de comum na história. Então, assassinos que vendem pedaços humanos e descartam o resto sem nenhum respeito, passam a ser considerados “seguidores de instintos ou de tradições” e deixam de ser o que são, assassinos de crianças. Isso por que o espectador/leitor consegue entender como a mentalidade daquele personagem funciona. O receptor se IDENTIFICA com o assassino, com a desculpa de que ele é um ser fantástico e que aquele comportamento está em seu DNA. (não me surpreende o Holocausto, quando os arianos nazistas simplesmente fizeram o que fizeram tomando a tortura e assassinato como obrigação, se distanciando sentimentalmente daquele ato).
Enfim, achei muito interessante a proposta de Grimm (embora eles não devam saber o que estão fazendo) em colocar situações grotescas em um cotidiano fantástico (não tenho certeza que posso usar as palavras cotidiano e fantástico na mesma frase).
Essa é uma das funções do texto de fantasia: tornar tudo possível. A partir do momento em que o leitor/espectador se vê no meio de um texto fantástico ele perde toda a necessidade de racionalizar as pequenas coisas. Um texto de fantasia é um acordo entre autor e leitor, para que o entendimento possa acontecer. Para que um texto fantástico seja lido, ele não tem que ser, primeiramente, entendido. Tem que ser aceito. O leitor e o texto têm que criar um vinculo, para que as situações que estiverem sendo apresentadas não causem uma estranheza tão grande que o texto não possa ser terminado. Para que um leitor aceite um texto fantasioso, ele deve se despir de todas as suas racionalizações e pragmatismo e tornar real a ideia de que tudo pode acontecer enquanto estiver com aquela obra em mãos.
Talvez seja ai que resida o encantamento dos contos de fadas para crianças. As crianças não têm que fazer um pacto com o texto. Para os pequenos o texto é apenas o que ele é: uma verdade absoluta. O conto de fadas, o texto, é parte da alma infantil, parte de sua imaginação e de sua verdade. O conto de fadas é apenas a materialização em palavras do que a crianças tem como real.
Com o adulto acontece o mesmo, mas como somos “racionais” e “senhores de nós mesmos” precisamos de um pacto para que, quando o livro for fechado, as letrinhas dos créditos subirem, voltemos para a vida real.
Gostei :).
ResponderExcluirEstou gostando dessa série. Acho interessante pensar as "bizarrices" das histórias de fantasia mescladas às "bizarrices" tão corriqueiras da vida real. Os conflitos apresentados são demasiadamente humanos, diria até, universais.
ResponderExcluirComo você diz bem sobre o pacto entre leitor e autor. No meu caso, quando to assistindo, às vezes assimilo a fantasia a adjeitos para o que está acontecendo no mundo real. Daí aos meus olhos a série se torna um puro drama de conflitos humanos. O pedófilo pode ser chamado de lobo, o covarde, perdedor ou injustiçado pode ser chamado de rato, alguma forma de assassinato pode ser o holocausto etc.
Claro, isso sem deixar de me deleitar com as associações às minhas historinhas "infantis". E muitas coisas na série, me lembram também elementos de RPG.
A série tem seus altos e baixos, mas tem uma fala do lobo mau interessante. Algo sobre as pessoas se deterem muito à filosofia, à f[ísica, à religião, enfim, a coisas menos óbvias, e por isso não entenderem ou enxergarem muito bem as coisas mais óbvias e banais, que aparecem de modo tão grosseiro na série que fantasia e cotidiano, neste caso, não podem deixar de aparecer na mesma frase.
Também gostei! É interessante como as criaturas fantasiosas (monstros), não nos chocam tanto quanto o ser humano, idependente, de quão cruel elas sejam. Aquilo que se aproxima mais da nossa "realidade" é o que nos causa este sentimento de horror. Tipo, pensar que a nossa própria espécie é capaz de tais atos,como você mesmo cita o holocausto, é algo difícil de aceitar, pois, somos humanos, mas se transformarmos esses humanos em monstros tudo se torna mais palpável, porque deixa de ser "real" e se torna ficção.
ResponderExcluir